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Eurico Carrapatoso | A morte de Luís II da Baviera
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Angélica Neto (Morte), Elsa Cortez (Providência), Coro Ricercare (dir. Pedro Teixeira), Sinfonietta de Lisboa, dir. Vasco Azevedo | Sobre texto de Bernardo Soares (Livro do desassossego), libreto de João Botelho, encomenda de ARDEFILMES para "O Filme do Desassossego" de João Botelho | Gravado no Convento dos Dominicanos, Lisboa, 27.11.2010 (captação sonora de Carlos Marecos)
Pequena nota sobre A morte de Luís II da Baviera
Em Dezembro de 2009 fui contactado por João Botelho e Alexandre Oliveira, o produtor do Filme do Desassossego, no sentido de escrever uma ópera baseada no texto de Bernardo Soares, Marcha Fúnebre para o Rei Luís Segundo, com libreto do próprio João. O nosso encontro deu-se no final de uma tarde fria de nevoeiro, algures em Lisboa. Quando vislumbrei os vultos do João e do Alexandre, envoltos numa bruma iniciática, pressenti que tínhamos obra. O João trazia o libreto debaixo do braço e o seu cabelo branco flamejante, oscilando aos quatro ventos, era o arauto de uma obra anunciada.
Enquanto me explicava o projecto fumava cigarros pensativos. Levava-me o grande avanço dos jovens apaixonados. Partia do pressuposto que eu já estava inteirado de seus conceitos. A sua exaltação era contagiosa. Eu dizia-lhe calma, mais devagar, espere e ele falava-me de Morte, de Providência, de coros de pajens, de atimbales, metais e arcos; e eu dizia-lhe calma, calma, mais devagar, mas ele falava-me de filmagens ao ar livre, de planos, de jogos de luz e sombra caravaggianos, de travellings sobre a orquestra e sobre a cena da morte; e eu dizia-lhe calma, mais devagar! Mas...ao ar livre? Tem a certeza?, e ele falava-me de uma encenação em pleno bosque de Sintra; e eu dizia-lhe calma, mais devagar!, Ao ar livre? O quê? Em Sintra? Tem a certeza? Mas... e então... os elementos? O frio? A chuva? O nevoeiro?..., e ele dizia-me Sim, sim!... Conhece outro local mais apropriado para a cena da morte de Luís II? Conhece? E leu-me:
Senhor Rei, Pastor das vigílias,
Cavaleiro andante das Angústias,
Sem glória e sem dama
Ao luar das estradas,
Senhor nas florestas,
Nas escarpas,
Perfil mudo de viseira caída
Assim conspirámos o projecto, envoltos em tabaco e nevoeiro.
Aos poucos o texto de Bernardo Soares foi-se insinuando como a púrpura e o oiro bizantinos de Klimt:
Contempla da janelo do meu castelo
Não o luar e o mar
Que são coisas belas e por isso imperfeitas;
Mas a noite vasta e materna,
O esplendor indiviso do abismo profundo.
Passados uns dias começou-me o texto a doer. Assim nasceu a obra.
E lá estávamos nós, em Março de 2010, a filmar, em pleno bosque de Sintra, na mítica Peninha, inundada de um sol picardo e refulgente que furava as folhagens em mil matizes.
Eurico Carrapatoso, 8 de Novembro de 2010
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